De uma ilha paradisíaca às savanas africanas

Quando saiu em 2004, pelas mãos da alemã Crytek, para PC, Xbox e Xbox 360, Far Cry assustou por apresentar, pela primeira vez, o gênero sandbox agregado a um estilo de tiro em primeira pessoa inovador. O jogo se passava em uma ilha tropical paradisíaca com belas paisagens, mas tomada por um exército a mercê de um cientista que modificava o DNA humano produzindo mutações e anomalias bizarras. O jogo causou uma boa impressão por ter gráficos bem produzidos, inteligência artificial competente e uma área gigantesca para explorar. Com essa mesma fórmula, a Crytek, que havia sido adquirida pela Electronic Arts, produziu o famoso Crysis.
Alguns anos depois, a Ubisoft que detinha o nome Far Cry, resolveu levar o nome da franquia a diante. Modificando radicalmente o enredo do jogo, Far Cry 2 seria nas savanas da África durante uma Guerra Civil, sem a inclusão de monstros ou cientistas malucos. Sem causar o mesmo impacto que o primeiro título, Far Cry 2 deu certo e recebeu centenas de especulações e adoradores antes mesmo de seu lançamento. Com gráficos extremamente bem trabalhos inovou ainda mais o gênero já apresentado por Crysis, em novembro do ano passado.
Bem-vindo à Selva!
Depois de escolher com qual protagonista você quer jogar – há até um brasileiro naturalizado norte-americano entre os personagens – o jogo toma início. Enquanto um “taxista” lhe conduz por algumas belas paisagens africanas, entende-se que sua missão por lá é matar um traficante de armas chamado de “The Jackal”, que abastece duas facções: a Alliance for Popular Resistance (APR) e a United Front for Liberation and Labour (UFLL), que disputam uma sangrenta Guerra Civil. Devido a um incidente, o protagonista acaba impedido de chegar até a localização do tal traficante, e o pior: seu alvo sabe que há um agente enviado para matá-lo. Depois de algumas reviravoltas iniciais, o jogador inicia um tutorial que explica vários elementos presentes em Far Cry 2, dando uma noção bem básica da mecânica de jogo.
Como um belo clichê, o protagonista acaba perdendo suas armas iniciais e se vê obrigado a recuperar toda a reputação para ter a chance de encontrar e eliminar seu alvo, sua única obrigação no continente africano. Para tal, o jogador deve fazer amigos e executar diversos tipos de missões, entre principais e paralelas. E é só.
Tudo em Far Cry 2 se desenrrola a partir de uma única “moeda” corrente: diamantes, que são encontrados pelo mapa utilizando uma espécie de localizador com um “bip” que apita quando há alguma maleta contendo alguns deles por perto ou simplesmente como recompensas de missões. Com algumas dessas pedras preciosas é possível visitar lojas de armas espalhadas pelo extenso mapa e comprar várias maravilhas bélicas. Entre o arsenal do jogo estão desde pistolas, passando por sub-metralhadoras e fuzis, chegando a lançadores de foguetes e rifles de alto calibre.
Destaque especial ao lançador de chamas que combinado ao incrível sistema de propagação de fogo, torna-se uma arma extremamente mortal, capaz de espalhar labaredas que chegam a consumir vilas inteiras. Todos esses apetrechos o ajudam a abrir caminho, atrás do tão falado “The Jackal”, com violência gratuita e missões extremamente repetitivas. É triste assumir, mas Far Cry 2 não passa disso.
Matança cansativa
Paralelas às missões principais – que realmente significam algum progresso durante o jogo -, existem as missões secundárias. Como um bom mercenário, muitas vezes seu serviço atendendo à algumas delas é eliminar uma certa pessoa, “impedir” um comboio de armas de chegar ao seu destino, e recuperar alguns itens para seus amigos, que como já citamos, podem ser conhecidos através do seu progresso natural durante o jogo.
No início, essas missões secundárias são uma diversão à parte, abrindo um leque de possibilidades ao jogador. Você pode escolher entre atacar os inimigos frente-a-frente, ou assumir posições de tocaia e esperar pelo melhor momento, usando rifles snipers ou plantando explosivos. O problema é que essas missões começam a ficar extremamente repetitivas e enjoativas, muitas vezes sem ter graça alguma, não passando de simples obrigações para ganhar alguns trocos e seguir em frente. O pior é ver alvos e comboios aparecerem no mesmo lugar de missões secundárias anteriores, no maior estilo dejà vú.
Certas missões até recompensam o esforço, muitas vezes repetitivo, aumentando sua reputação e lhe fornecendo alguns bens, como carros e armas atualizadas, em safehouses espalhadas pelo mapa, que aliás, permitem que o jogador descanse por algum tempo e recupere sua energia e munição.
Ressalvas à parte…
Mesmo com todos os clichês que cercam o enredo “tapa-buraco” – que serve como fantoche pra esconder uma trama intensamente repetitiva -, há alguns elementos que realmente merecem algum mérito. O primeiro deles é a possibilidade, de certa forma, bizarra, de concertar veículos avariados. Basta se aproximar do capô, apertar o botão de ação e ver o protagonista apertando um simples parafuso, para ver o carro inteiro voltar ao estado normal, mesmo após uma bela saraivada de tiros. Ah se fosse tão fácil assim! Ok, admito, isso é algo novo no gênero. Mas convenhamos: não há nada de realista nisso.
Todo o arsenal do jogo pode se desgastar. Isso quer dizer que armas que estão sendo usadas a um bom tempo podem enferrujar e travar, obrigando o jogador a abandonar a ação e arrumar o equipamento. Em casos mais extremos, a arma pode chegar a explodir. De certo modo, esse recurso obriga o jogador a estar sempre renovando suas parafernalhas para evitar incidentes assim. Esse sim é um elemento inovador muito bem reproduzido pela Ubisoft no jogo.
Ao longo da trama, o jogador consequentemente terá que fazer algumas amizades, os chamados “Buddies“. Além de repassarem algumas missões (repetitivas) que aumentam sua reputação, seus amigos podem lhe socorrer caso seja neutralizado em combate, apesar de ser algo extremamente apelativo. De certo modo, eles influem direta e indiretamente no seu progresso durante a trama.
Por fim, o sistema de saúde ainda segue um padrão antigo ao apresentar uma barra de vida. Ao ficar ferido, basta se retirar por algum tempo do combate e apertar a tecla de cura para assistir a uma tortuosa cena “cirúrgica”, onde o protagonista retira “na raça”, alguns projéteis que perfuraram seu corpo, e após uma ou duas injeções, o jogador pode retornar ao tiroteio com sua barra de energia no máximo. Um dos elementos mais curiosos e misteriosos do jogo é a malária, doença cuja qual o protagonista fora infectado logo no início da trama. Em determinados momentos, uma intensa tontura ataca a tela do jogador e é necessário interromper a ação para tomar algumas pílulas, arranjadas através de contatos do “sub-mundo”.
Dunia Engine, o melhor da atualidade?
A resposta pode ser não. Mesmo usando configurações gráficas no máximo, alguns bugs horríveis podem acabar acontecendo, para piorar a imagem do jogo. Sem dúvida, o Dunia Engine é um dos melhores da atualidade, mas permitir que bugs horrorosos assim apareçam é um pecado. Constantemente o jogador pode se deparar com falta de filtros em certas texturas, e até mesmo, texturas que são exibidas de forma deplorável.
Em alguns casos, objetos que a uma determinada distância eram vistos de uma forma, são vistos de modos completamente diferentes a curtas distâncias, ainda mais com a ocorrência de pop-ins – elementos do cenário saltando na tela a medida que nos aproximamos deles.
Objetos que não condizem com sua aparência física também fazem sua apresentação em Far Cry 2. Desde quando uma simples e fina placa feita de alumínio barato é capaz de explodir veículos com uma simples pancada? Desde quando caminhões e outros veículos pesados são impedidos de arrembentar galhos aparentemente “quebráveis” enquanto barras de madeira maiores ainda podem ser tranquilamente despedaçados? E a partir de quando inimigos humanos são capazes de ricochetear mísseis? Quem sabe essas respostas estejam mesmo em poder dos programadores da engine do jogo.
Com excessão da pessíma apresentação da água, de alguns efeitos luminosos e das sombras, a engine do jogo ainda apresenta seu ponto forte: as explosões, em especial o fogo. É interessante observar o gás de um tanque de propano inflamando-se em contato com alguns tiros da sua arma e logo após ver o tanque todo indo pelos ares, arrasando todos que estiverem ao seu redor. A rotação entre “dia e noite” é realista, assim como mudanças climáticas, tais como a chuva e o sol radiante. O ambiente criado durante um tiroteio, como explosões e riscos de projéteis pelo céu, é algo cinematográfico e muito bem representado. Ver áreas inteiras consumidas pelo fogo também é algo divertido.
Multiplayer bom, mas deficiente
A intensa ação que pode ser encontrada durante a campanha singleplayer de Far Cry 2 também é apresentada de forma competente no multiplayer. Toda a matança pode ser composta de até 16 jogadores por servidor, explorando cenários e propondo intensas trocas de tiro.
Os jogadores ainda podem fazer uso de um editor de mapas interessante, com uma interface robusta e descomplicada, o problema é convencer seus amigos a baixarem o (enorme) mapa customizado para poder jogar. E é exatamente esse o problema. Perder todo o tempo gasto baixando mapas feito por outros jogadores para ter a chance de contemplar o multiplayer do jogo nem sempre vale a pena, já que muitos desses cenários trazem bugs ridículos de texturas e em relação a interação do mapa, dando um ar de serviço precário.
Considerações finais

Faltou coisa. Quem aguardou fervorosamente pela chegada de Far Cry 2, com certeza vai perceber que faltou algo. As primeiras impressões do jogo são fantásticas, criando uma expectativa de que o jogo será um dos melhores shooters sandbox já desenvolvidos, com elementos promissores. Infelizmente, isso não passa de uma impressão falsa. O maior problema do gênero sandbox ainda persegue o novo título da Ubisoft: enredo precário, com personagens fracos e sem carisma – sem falar na dublagem que parece “artificial” -, bugs bizarros e missões sem sentido, além de serem repetitivas.
Se você quer apenas testar o poderio do seu hardware, com uma engine bonita e muito mais leve que a comedora de placas de vídeo CryENGINE2, ou até mesmo passar algumas horas de violência pesada, com explosões e muita, mas muitas balas voando pela tela, Far Cry 2 é, sem sombra de dúvidas, o melhor. Porém, não é possível dizer o mesmo para uma jogatina mais aprofundada, em que aos poucos, os jogadores mais atenciosos perceberão o quanto o game pecou em elementos que foram tão bem apresentados antes de seu lançamento, transformando o título em uma grande decepção. Ame ou deteste, Far Cry 2 chegou.