O aumento dos afastamentos por transtornos mentais no Brasil revela um paradoxo da era digital: enquanto as redes sociais prometem proximidade, elas podem, na verdade, aprofundar o isolamento e alimentar uma silenciosa epidemia de solidão.
As redes sociais facilitaram a conexão com amigos distantes e possibilitaram interações com pessoas de interesses semelhantes. No entanto, um fenômeno silencioso cresce: o sentimento de solidão. Dados do Ministério da Previdência Social mostram que os afastamentos do trabalho por transtornos mentais dobraram na última década. Em 2014, cerca de 203 mil brasileiros se afastaram devido a episódios depressivos e transtornos de ansiedade; em 2024, esse número saltou para 440 mil. Especialistas apontam que o ambiente digital pode contribuir para essa escalada.
A psicanalista Camila Camaratta observa que, apesar de estarmos mais disponíveis do que nunca, as redes sociais criam um “simulacro de pertencimento”. “Você tem centenas de seguidores e mensagens, mas quando precisa de alguém, sente um vazio que nem milhares de curtidas conseguem preencher”, diz ela. O ciclo de superficialidade, comparação e necessidade de validação constante das interações digitais não alimenta as necessidades emocionais humanas. A neurociência confirma que nosso cérebro precisa de conexões sociais reais para o bem-estar e a tomada de decisões.
A pandemia acelerou essa desconexão disfarçada de hiperconectividade. O isolamento forçado fez das telas a principal via de comunicação, aumentando a dependência das redes sociais. Embora isso tenha permitido a continuidade de atividades essenciais, também aprofundou o distanciamento físico e emocional. “Nos acostumamos a resolver tudo sem sair de casa, mas isso nos afeta emocionalmente”, alerta Camaratta.
Além do isolamento, as redes sociais fomentam a comparação constante. Pesquisas mostram que o uso excessivo dessas plataformas está relacionado ao aumento de ansiedade e depressão, especialmente entre os jovens. A exposição a vidas editadas gera um senso de inadequação, levando as pessoas a se sentirem menos interessantes ou bem-sucedidas. “Comparar nosso cotidiano com a versão editada da vida dos outros é injusto”, explica a psicanalista.
Mas serão as redes sociais as vilãs dessa história? Para Camaratta, o problema não é a tecnologia em si, mas a forma como a usamos. “As redes podem ser ferramentas valiosas de conexão, desde que usadas com consciência. O problema é substituir o contato humano por interações digitais que não suprem nossa necessidade de pertencimento genuíno”, afirma.
O dilema digital exige reflexão. Como preservar nossa saúde mental e emocional em um mundo hiperconectado? Como resgatar a profundidade das relações em uma era de instantaneidade? “Precisamos reaprender a estar presentes, a estabelecer vínculos reais. O digital facilita a comunicação, mas nunca substituirá o essencialmente humano”, conclui Camaratta.
A solidão digital é um fenômeno recente, mas com impactos profundos. Se não questionarmos agora, corremos o risco de viver em uma sociedade cheia de conexões, mas desconectada de laços verdadeiros. Há ainda muito a viver fora do digital, para quem ousar vivê-lo sem filtros.